Os 70% do Fundeb e os profissionais beneficiados: do magistério ou da educação?
A Emenda Constitucional 53, de 2006, destinava 60% do Fundo da Educação Básica (Fundeb) para os profissionais do magistério. Eis o que determinava o inciso XII, do art. 60, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT):
XII - proporção não inferior a 60% (sessenta por cento) de cada Fundo referido no inciso I do caput deste artigo será destinada ao pagamento dos profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício.
Coerente com essa regra, a lei 11.494, de 2007, regulamentadora daquela Emenda, bem define o profissional do magistério:
Art. 22. – (......)
II - profissionais do magistério da educação: docentes, profissionais que oferecem suporte pedagógico direto ao exercício da docência: direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão, orientação educacional e coordenação pedagógica;
Então, restou claro que 60% do Fundeb pagariam os professores e os que lhes dão apoio técnico, versados estes em pedagogia escolar; eis aí os tais profissionais do magistério. Sendo assim, nenhum outro servidor da Educação receberia à conta daquela sub vinculação.
Quatorze anos depois, a atual Emenda Constitucional 108, de 2020, vem estabelecer que 70% do novo Fundeb remunerarão os profissionais da educação básica. Eis o inciso XI, do art. 212-A, da Constituição:
XI - proporção não inferior a 70% (setenta por cento) de cada fundo referido no inciso I do caput (.....) será destinada ao pagamento dos profissionais da educação básica em efetivo exercício, (......)
Modificada a qualificação do servidor beneficiado, afigurou-se a seguinte dúvida: qual a diferença entre o já antes referido profissional do magistério e o profissional da educação básica?
Em seu manual sobre o Fundeb, o Ministério da Educação (MEC) [1] assim apresenta o profissional da educação básica:
a) Remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e dos profissionais da educação, contemplando:
Remuneração e capacitação, sob a forma de formação continuada, de trabalhadores da educação básica, com ou sem cargo de direção e chefia, incluindo os profissionais do magistério e outros servidores que atuam na realização de serviços de apoio técnico-administrativo e operacional, nestes incluída a manutenção de ambientes e de instituições do respectivo sistema de ensino básico.
Como exemplo, tem-se o auxiliar de serviços gerais (manutenção, limpeza, segurança, preparação da merenda, etc.), o auxiliar de administração (serviços de apoio administrativo), o (a) secretário (a) da escola, entre outros lotados e em exercício nas escolas ou órgão/unidade administrativa da educação básica pública;
Daí se pôde concluir: profissional do magistério é o docente e os que lhe presta apoio técnico especializado; profissional da educação é todo e qualquer servidor em efetivo exercício na área educacional.
Nessa marcha, vários tribunais de contas, no cálculo da despesa educacional obrigatória (os 25% de impostos e os residuais 40% do Fundeb), não descartavam o salário das merendeiras, psicólogas e psicopedagogas, muito embora a Lei de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional (LDB) exclua, daquele gasto, os programas suplementares de alimentação escolar e de assistência médica e psicológica (art. 71, IV).
Aquelas Cortes assim procedem com base na sobredita orientação do MEC, escorada que está no art. 70, I, da LDB, para o qual professores, especialistas da educação, merendeiras, psicopedagogos, secretários de escola, zeladores, bedéis, inspetores, todos eles são profissionais da educação:
Art. 70. Considerar-se-ão como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam a:
I - remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação;
De fato, assim leciona o Tribunal Paulista Contas (TCESP), em seu manual específico sobre a educação[2]:
22. Despesas que entram no cálculo dos mínimos constitucionais e legais da Educação:
§ (......)
§ Salário e encargos dos servidores que atuam nas atividades meio do ensino: apoio administrativo, merendeiras, bedéis, pessoal da limpeza;
De mais a mais, o Senado, logo após a aprovação da Emenda do novo Fundeb (nº 108), assim se pronunciou[3]:
Ainda dentro da nova parcela de complementação de recursos da União, no mínimo outros 70% serão destinados ao pagamento de salários dos profissionais da educação. Atualmente esse piso é de 60% e beneficia apenas professores (e especialistas da educação).
Apesar desse pacífico conceito de profissional da educação, a lei regulamentadora do novo Fundeb (nº 14.113, de 25.12.2020), no art. 26, § único, II, apresenta tal servidor de forma semelhante à da revogada legislação anterior (Emenda 53 e Lei 11.494/2007), ou seja, nos 70% do Fundeb caberão somente os tais profissionais do magistério (docentes e os trabalhadores da educação versados em Pedagogia), havendo nisso, contudo, apenas uma inserção: a dos psicólogos e assistentes sociais que servem à educação básica.
Então, vale apontar contradição no corpo da própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que, no art. 70, I, inclui, como profissional da educação, todos os que militam na área, sejam os da atividade-fim ou da atividade-meio (inclusive zeladores, merendeiras, secretários de escola, funcionários administrativos), enquanto que, no art. 61, a LDB restringe aquele profissional aos docentes e aos funcionários de apoio direto, com formação em Pedagogia.
Por isso, ousamos refletir: se os contemplados com os 70% Fundeb fossem os mesmos do regramento anterior, bastaria ao atual texto constitucional referi-los, outra vez, como profissionais do magistério e, não, como agora consta: “profissionais da educação” (art. 212-A, XI).
E se, hoje, vários municípios têm dificuldade de cumprir os 60% para os profissionais do magistério, recorrendo, em boa parte das vezes, a emergenciais abonos de fim de ano, contarão agora com maior embaraço, pois, para a mesma categoria profissional, o percentual aumenta 10% (de 60% para 70%), sendo que a Lei Complementar 173, de 2020, até 31 de dezembro de 2021, proíbe abonos salariais:
Art. 8º Na hipótese de que trata o art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19, ficam proibidos, até 31 de dezembro de 2021, de:
(...............)
VI - criar ou majorar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza (......)
De todo modo e enquanto não sobrevenham outras decisões de tribunais superiores (STF, STJ), o Município deve atender à literalidade da nova lei do Fundeb, ou seja, à conta dos 70% só serão pagos os seguintes profissionais:
a) Professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio;
b) Trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas mesmas áreas;
c) Trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim;
d) Profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação para atender o disposto no inciso V do caput do art. 36, da LDB;
e) Profissionais graduados que tenham feito complementação pedagógica, conforme disposto pelo Conselho Nacional de Educação;
f) Psicólogos e assistentes sociais que atuam na rede básica de ensino.
Nessa sub vinculação de 70% só ingressam os salários e os encargos patronais, ou seja, as verbas remuneratórias de professores e especialistas do ensino e, não, as verbas indenizatórias como vale-transporte, vale-refeição, auxílio-creche, plano de saúde, entre outros pagamentos isentos de Imposto de Renda e contribuição previdenciária.
Bem por isso e tal qual já acontecia sob o antigo Fundeb, a educação municipal continua com duas folhas de pagamento; uma para os contemplados com os 70% do Fundeb; outra para todos os outros servidores da Educação; além disso, salutar que todos os conselheiros do Fundeb rubriquem essas duas folhas salariais, no intento de comprovar o efetivo exercício daqueles trabalhadores no setor educacional do Município.
Por: Comunicado Fiorilli Software